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Brasileira que salvou menino ganha dia com seu nome na Flórida

Flaviane percebeu no trabalho que garoto sofria maus-tratos em casa e chamou a polícia. Casal foi preso e ela virou 'heroína'

Virtz|Eduardo Marini, do R7

Flaviane com o cartaz que mostrou ao menino. 'Você precisa de ajuda?'
Flaviane com o cartaz que mostrou ao menino. 'Você precisa de ajuda?' Flaviane com o cartaz que mostrou ao menino. 'Você precisa de ajuda?'

Flaviane Carvalho nasceu em Goiânia (GO) e tem 45 anos. Mora há 13 anos em Orlando, no estado da Flórida, nos Estados Unidos, com o marido, Rodrigo, 49 anos, e duas filhas: Clara, de 21, e Eduarda, de 18 anos, todos brasileiros. Imigrante legalizada, trabalha como gerente do restaurante Mrs. Potato, de uma chef brasileira.

Nesta quinta-feira (28), Flaviane recebeu uma das mais importantes homenagens do governo da Flórida. As autoridades proclamaram o dia 28 de janeiro, naquele estado, como o Flaviane Carvalho Child Advocacy Day, ou Dia Flaviane Carvalho de Defesa da Criança, como forma de incentivar os cidadãos a proteger crianças vítimas de violência e abuso e denunciar os casos às autoridades.

Para merecer a honraria, Flaviane tomou uma atitude de coragem e nobreza raras. Na noite de 1º de janeiro, ela foi fundamental ao chamar a polícia de Orlando e evitar que um menino de 11 anos continuasse a ser espancado, torturado e privado de alimentação por seu padrasto, Timothy Wilson II. Tudo com a cumplicidade da companheira, Kristen Swann, mãe do garoto, que admitiu saber mas não denunciar os maus-tratos.

O casal veio do estado do Alabama para a Orlando em maio de 2020. Após perceber que algo estava errado, Flaviane ligou para o Departamento de Polícia. O casal está preso. Wilson foi detido ainda na noite do dia 1º e a mulher, cinco dias depois. Os dois perderam a guarda do menino e da irmã dele, de quatro anos, filha do casal. “A mãe do garoto está grávida e não deverá ficar também com essa criança”, acredita Flaviane.

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A gerente virou celebridade em Orlando e na Flórida. Passou a receber a visita, no restaurante, de americanos com a intenção de tirar fotos ao seu lado, abraçá-la, dar presentes e até fazer doações em dinheiro. Nessa entrevista por telefone ao R7 nesta quinta-feira (28), iniciada antes e concluída depois da cerimônia de proclamação do dia com o seu nome, Flaviane contou em detalhes tudo o que aconteceu na noite de 1º de janeiro e a levou a desconfiar do casal e chamar a polícia em defesa do menor. Confira:

Diploma da proclamação recebido por Flaviane nesta quinta (28) em Orlando
Diploma da proclamação recebido por Flaviane nesta quinta (28) em Orlando Diploma da proclamação recebido por Flaviane nesta quinta (28) em Orlando

Conte em detalhes tudo o que ocorreu naquela noite no restaurante.

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Era minha folga naquele dia. De manhã um dos funcionários ligou dizendo que não poderia ir. Como tive dificuldade de arrumar um substituto, fui eu mesma no lugar dele. Os quatro chegaram por volta das 22h30. O casal e a menininha tiraram as máscaras para comer. Os adultos pediram apenas três pratos: batatas para os dois e uma refeição infantil que temos para a menina. Achei estranho. Fui à mesa e perguntei se não estava faltando a do menino. O homem respondeu com muita rispidez: ‘ele vai fazer a refeição em casa’.

Você começou a estranhar neste momento?

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Sim. E, neste início, também por um outro detalhe. Apesar de estarmos no inverno, não fazia frio naquela noite. O casal e a menininha estavam com roupas leves, como todos nós, mas o garoto permanecia de casaco preto de manga comprida, capuz, máscara e óculos (confira imagem do circuito interno do restaurante nesta reportagem). Quando cheguei perto, notei que ele tinha uma ferida com casca, redonda, como uma moeda grande, entre as sobrancelhas. Fiquei ainda mais intrigada e passei a observar. Logo depois, o garoto movimentou o braço e percebi manchas roxas escuras no direito. Olhe, eu acredito muito em Deus. Acho que Ele me colocou lá, em minha folga, para isso. A família ocupou a única mesa e o menino o único lugar que me permitiriam estabelecer alguma comunicação com ele, do meu balcão, sem que os pais percebessem. Minha fé não me deixa acreditar que isso foi só coincidência.

Imagem do circuito interno mostra menino isolado, sem comida e com muita roupa para esconder marcas da violência
Imagem do circuito interno mostra menino isolado, sem comida e com muita roupa para esconder marcas da violência Imagem do circuito interno mostra menino isolado, sem comida e com muita roupa para esconder marcas da violência

E aí?

Os três pratos foram servidos. Para o menino nada, nem água. Enquanto os três comiam, posicionei-me no balcão, atrás do casal, e levantei um cartaz para o menino onde estava escrito: Are you ok? (Você está bem?). Ele acenou levemente com a cabeça que sim. Escrevi outro: Sure (Certeza?). Ele novamente fez que sim timidamente.

Mas você não acreditou...

Não me conformei. Escrevi outro: Do you need help? Ok (Você precisa de ajuda?). Mostrei esse três vezes. Nas duas primeiras, ele não reagiu. Fechava os olhos por alguns segundos, abria e me olhava com semblante muito triste. Na terceira, olhou para o homem, como se quisesse se certificar de que ele não percebia minhas perguntas, virou-se para mim e balançou levemente a cabeça dizendo que sim.

O que você fez neste momento?

Fui para a cozinha e conversei com os meus colegas. Alguns acharam na hora que era exagero meu, que poderia ser mais um caso de tristeza do garoto por essas repreensões comuns dos pais por causa de alguma travessura, nada mais grave. Mas sou mãe, rapaz. Mãe tem sensibilidade e faro para identificar coisa ruim com criança. Não me conformei e liguei para a polícia. Em minutos vieram três policiais. Chegaram enquanto eles, sozinhos no restaurante, comiam a sobremesa – e, de novo, nada para o menino. Os policiais mandaram a gente esperar fora do restaurante com as crianças e ficaram dentro conversando, apenas eles e o casal. Dali a pouco chegaram mais alguns policiais para reforço.

Flaviane foi homenageada também pelos policiais de Orlando
Flaviane foi homenageada também pelos policiais de Orlando Flaviane foi homenageada também pelos policiais de Orlando

Reforço?

Isso. Os outros entraram e se juntaram aos três primeiros. Um deles saiu do restaurante, conversou com o menino e pediu para ele tirar o casaco com o capuz, a máscara e os óculos. A essa altura, o restaurante já estava fechado. Aí foi uma tristeza. O menino estava com o lado direito do rosto todo tomado por manchas roxas de pancada. Da orelha até o queixo. O braço direito estava tampado de hematomas. Ele tinha algumas faixas amarradas nos tornozelos. Contou aos policiais que o sujeito usava aquelas faixas para pendurá-lo em portas e outros lugares da casa, às vezes de cabeça para baixo. Era torturado física e psicologicamente. Disse aos policiais que, por punição do padrasto, fazia cinco dias que não era alimentado direito. Aquele dia no restaurante sem prato, para ele, fazia parte dessa tortura. Depois foi constatado que ele estava desnutrido. O cara foi levado dali diretamente para a cadeia. A mulher foi presa cinco dias depois, em 6 de janeiro, por negligência e cumplicidade. Uma mãe que sequer levava seu filho menino para cuidar dos ferimentos não merece respeito.

Você foi ameaçada pelo casal na saída?

Não. Foram de cabeça baixa. Os dois continuaram quietos como se nada tivesse acontecido quando a polícia chegou. Depois de um tempo, o sujeito parecia estar se sentindo mal, mas a mulher nem isso. 

Teme que eles sejam soltos e tentem te importunar?

De forma alguma.

Tem alguma informação sobre o futuro das crianças?

Eles estão com uma família que os abriga provisoriamente. Deverão ser adotados por outra. Uma das avós está sendo analisada para ver se tem condição de criar os dois. Se ficarem com uma avó materna ou paterna pode existir o risco de reaproximação do casal. Mas acho que, aqui nos Estados Unidos, eles serão condenados e passarão bons anos na cadeia. Só deverão sair quando as crianças forem bem maiores. Aqui, você sabe, as coisas funcionam. Pelo que me disseram, é quase certo que percam também a guarda da criança que está para nascer, pois a mulher está grávida.

Você está sendo chamada de heroína pelos policiais, veículos de comunicação e americanos nas redes sociais. E agora recebeu essa homenagem de ter um dia com o seu nome no estado...

Pois é... Seria motivo de orgulho para um americano. Para uma brasileira que decidiu viver aqui, então... Tomara que isso ajude na causa da defesa de crianças maltratadas aqui e também aí no Brasil.

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